segunda-feira, 16 de março de 2009

Capítulo 1 - TEMPORADA II

Entrou no palco vestindo apenas uma manga. Molhada. Era comprida, mas ainda partes do corpo ficaram à mostra. Não era pela transparência do tecido, algumas partes estavam nuas mesmo, sem nada que lhes cobrissem.

Riram-se dela, todos.

Tinha marcas de preguiça. A pele um pouco solta, os pêlos um tanto ralos. Na barriga tinha dobras e na testa tinha sulcos. A platéia achou grotesco - de mal gosto aparecer pelada e feia. Mas Monstrela não se importa. Não é que já não tivesse notado, ou que confundisse aquela cena com algo bonito. As manchas apareciam de forma bastante evidente e Monstrela enxergava bem, de perto. Sabia que não era o que, em condições de certeza, chamaria de atraente. Não estava enganada de nada, o caso é que ela não conseguia desgostar. Não que fosse por deslumbre, ou fascínio, mas os frisos brancos nos seios da moça pareciam repuxar os bicos e Monstrela não conseguia tirar os olhos deles. Às vezes até torcia para que saísse leite, mas não chegou nem a tentar, ficou com medo de passar vergonha. Sabia que podia levar uns tapas. Então, sequer se moveu na cadeira. Preferiu ficar imaginando... tetas moles jorrando leite. Acompanhou de longe aqueles mamilos até o final do espetáculo. Podia ser que estivesse apaixonada, quem sabe.
Quando a bailarina deixou as luzes, sentiu a dor de uma despedida. Esqueceu-se que podia chorar e, para aliviar-se, abriu os lábios e passou a língua para senti-los.

Monstrela já não tem mais esperanças.

quarta-feira, 4 de fevereiro de 2009

Retiro espiritual

Caros, Monstrela ganhou mais uma tendinite: desta vez no braço que ainda estava bom!
É preciso economizar o que ainda sobrou para a labuta remunerada. Ficaremos fora do ar por algum tempo.

Aguarde por: "Caminhos de Monstrela" - SEGUNDA TEMPORADA!!!

quinta-feira, 29 de janeiro de 2009

Capítulo 16

Então as mangas mudaram de cor tal qual as estações. E estava feito: Monstrela não era mais amada. Ao menos, não era assim que se sentia. A sobrevivência tornara-se para ela uma coisa desnecessária, já que não interferia mais nas rotinas da casa. Gostava do que sentia quando se abraçavam, mas determinou-se a repudiar os velhos. Depois que fora arrebanhada aos outros espancados, Monstrela excedeu sua cota habitual de músculos e mostrou as garras: apodreceram todas as árvores da família.

Não podia perder a índole tão afável, então contou à viúva que os pés estavam enterrados atrás da casa maior - para matar, precisou que arrancassem as raízes.

“Então por que a senhora me fez trazer até aqui?”. Colocou a caixa com os filhotes ao lado da penteadeira e despediu-se de cada pequeno. Manteve o olhar fixo nos sapatos, preferia ir embora sem ter que encarar a dona. Mas precisava acertar o pagamento - com a dívida tão alta, seria besteira recusar.

Aproximou-se, como lhe fora ordenado. Tomou o tapa na cara. Doeu mais o chacoalho do cérebro do que a bochecha acertada.

A mãe recolocou as luvas.

Caíram os dedos.

Monstrela já não tem mais esperanças.

quarta-feira, 28 de janeiro de 2009

Capítulo 15

As bochechas estavam moles. Economizei nos ovos e Monstrela pôde, enfim, tomar a pílula do mal. Apagou. Primeiro sumiram os cotolelos, depois as narinas. E quando sumiram as sobrancelhas... ela não viu mais nada. Precisava ser bom. Providenciei que um torniquete apertado no pescoço a aconselhasse: "Tenho vários leitores que não entendem lhufas". Assinamos o contrato. Nenhum dos horários prestava, mas Monstrela estava com pressa. Fomos para a guerra.

Ficamos de longe. Espiamos sete corcundas invadirem a mansão Cândido. Alguns gritos e assistimos jatos de sangue mancharem os vidros das janelas. Ela trouxe o prato de aspargos para perto do esconderijo e assobiou em menos de um minuto. Era bastante prevenida: tinha sempre uma colher enterrada no buraco. As explosões começaram logo depois que os ratos, apavorados, subiram nas minhas costas. Queriam entrar pelas orelhas. Monstrela estapeou-me e acabou engasgada. Então eu soube que já podia fazer a encomenda.

De imbuia, por favor.

O mais próximo que já tinha me acontecido foi em outubro. E dez meses é muito tempo. Eu precisei mudar de vida. Vamos fazer a análise juntos. Nhééééé. Lembro que parei de soluçar. Deveria? Tive medo que desistisse e por isso esmaguei os tendões - sempre é divertido. Não perguntei o tamanho, mas esperei que voltasse. Pinga.

Monstrela já não tem mais esperanças.

segunda-feira, 26 de janeiro de 2009

Capítulo 14

Chega uma hora em que todas as unhas, das mãos e dos pés, estão sujeitas a cair. Mesmo assim, eu não recebi bem a notícia - passava muito longe de ser o que desejava. Não reclamei. Continuei a preencher o formulário, coloquei dentro do envelope e escorreguei pela fresta do fogão. Tudo conforme havia planejado, não aumentei o passador em um milímetro sequer.

Desta vez, a fechadura apareceu diferente do que imaginava. Sempre a vi estridente. Furiosa. Vivia aos berros, chamando a atenção de todos. Agora que eu preciso dela, está muda, com a linguinha pendurada para fora. Eu tentei argumentar, ofereci devolver tudo que havia roubado. E os olhos continuaram em x. Eu entendi que estava acabado. Virei o umbigo para o lado e, de repente, ela arregalou os olhos, afiou os dentes e me tascou uma mordida muito doída. E profunda.

Tudo bem, fez parte da negociação: eu perco o fôlego nas cócegas e você me dá o encanamento. Eu aguento. Não precisa se preocupar. De qualquer maneira não tinha como me contorcer. Tive uma iguaria nas pernas, precisei sentar antes que despencassem risos. O monstro já estava apagado, de barriga pra cima, quando voltei a mim. Agora, só falta você me fazer o convite. Estou livre.

Monstrela já não tem mais esperanças.

domingo, 25 de janeiro de 2009

Capítulo 13

Tomou o último gole de café. Estava abatida. Despediram-se mais uma vez e abandonaram um ao outro. Estava escuro e todas as músicas pareciam lamentos. Calçou os sapatos com dificuldade, ajeitou os óculos e saiu em busca de um destino. Quando abriu a tampinha do ralo, deu-se conta de estar enroscada. Não relutou. Aconchegou-se entre os pêlos e fechou bem os olhos – Monstrela torcia para que lhe cobrissem o corpo.

As variações do terreno a perturbaram. Ora para baixo. Ora para cima. Não estava confusa, apenas enjoada. Valeu à pena outro banho. Engatinhou até o tapete e agarrou os joelhos. Prometeu que cuidaria com carinho, sem machucar. Não entendi sua mensagem, pode repetir? Você se intromete, atrapalha o andamento da refeição. Monstrela fixa os pensamentos, quer acertar desta vez. Ri das suas piadas sem graça. Elogia o tom de comédia e finge lhe admirar. Concentra-se. Caminha por um corredor muito estreito e comprido. Estica os braços para cima e põe-se nas pontas dos pés. Morde a isca: Bali Hai, special island.

Já não enxerga nada à frente, mas insiste na jornada. O ritmo é até hipnotizador, mas essa música você desconhece. Monstrela balança os ombros, concorda. Por enquanto, é o melhor partido que conseguiu arranjar. Não é sempre que o original impressiona. Talvez preferisse as versões mais populares. Pisa em um ninho de texugos. Comemora a chacina e recolhe o único sobrevivente. Não pode deixá-lo. Ainda espera uma resposta. Seguem os dois, juntos.

Monstrela já não tem mais esperanças.

sábado, 24 de janeiro de 2009

Capítulo 12

Prismas eram o bafafá do momento. Acredite, todo contingente queria ter um. E Monstrela não poderia ficar de fora. Passou horas em frente ao espelho. Escolheu a melhor roupa, se maquiou, borrifou um perfume caro. Vestiu-se com jóias e salto alto. Achou que não passavam de um amontoado de abobrinhas e sentiu pena. Estava estonteante! Diminuiu o olhar, deslizou os dedos pelo colo e levantou o queixo - ela sabia não ter o menor senso de humor, mas estava apaixonada. Prendeu a respiração, encheu o peito de esperança e mergulho no mar. Acendeu um charuto e sorriu para si mesma. Nadou até encontrar a barrinha de chocolate e agarrou-se ao travesseiro, debaixo das cobertas.

É bem verdade que Monstrela tinha medo de se afogar, mesmo assim o ar continuava a entrar com facilidade. Como sempre, pouco se falaram, e as palavras foram protocolares. Não conseguiu desculpa alguma para tocar-lhe. Não encontrou motivos para acariciar ou esbarrar na pele. Desde o primeiro momento, escondiam-se um do outro. Talvez ela estivesse mais preparada e, por isso, mais impertinente. Tomou a iniciativa de lhe fazer uma pergunta, mas tinha urgência pois o ar estava acabando e a pulsação pesava. Diga logo que você quer. Balançou as chaves e voltou aos prantos. Por mais esta vez, Montrela havia vencido.

Limpou-se para não molhar os cabelo e decidiu não mais existir. Preferiu tocar a campainha antes de entrar - a verdade é que não achava graça alguma, sequer conseguia encontar inteligência. Preste atenção na pontuação, é essencial e dá ritmo. Ok. Agora a noite é fria e os pássaros cantam sem remediar. A claridade encomoda seus olhos. Lembra-se que não recebeu resposta alguma. A trama não se desenvolve e nada de concreto acontece. Uma dor aguda irrita-lhe a ponto de fazer vomitar. Monstrela não se lembra do passeio dado e se aflige em busca das anotações feitas. Pronto, o plano havia funcionado. Ufa...ufa. Sente preguiça de arriscar-se de novo e prorroga o sono.

Monstrela já não tem mais esperanças.